Rumores sobre um possível bloqueio do Global Positioning System (GPS) nos limites territoriais brasileiros ganharam força após aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro informarem ao jornal Folha de S.Paulo, na semana passada, que a medida estaria entre as novas sanções que os Estados Unidos poderiam aplicar ao país. A especulação surgiu depois de Washington cancelar vistos de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e motivou extensos debates nas redes sociais entre 19 e 21 de julho de 2025.
O GPS foi desenvolvido pelo Departamento de Defesa norte-americano para fins militares durante a Guerra Fria e, desde o fim da década de 1990, é amplamente utilizado em todo o mundo por usuários civis. Atualmente, a constelação conta com 31 satélites distribuídos em seis planos orbitais, garantindo que ao menos quatro deles estejam visíveis em qualquer ponto do planeta. Esses satélites transmitem sinais de rádio contendo hora exata e coordenadas. O receptor compara o instante de envio e o momento de chegada da mensagem para calcular distância e, a partir da combinação de dados de quatro satélites, determinar posição com alta precisão.
O serviço aberto ao público, conhecido como Standard Positioning Service (SPS), oferece precisão suficiente para navegação terrestre, aérea e marítima. Já o Precise Positioning Service (PPS) é reservado às Forças Armadas dos EUA e de nações parceiras. A tecnologia tornou-se, portanto, infraestrutura crítica não apenas para transporte, mas também para telecomunicações, agricultura de precisão e operações financeiras que dependem de marcação temporal confiável.
É tecnicamente viável desligar o GPS apenas no Brasil?
Segundo especialistas em telecomunicações consultados pela imprensa internacional, o sinal civil do GPS é, por padrão, livre e global. Para restringi-lo a um único país, seria necessário modificar protocolos de transmissão ou adotar códigos de acesso por área, algo inexistente no desenho original do sistema. Alterações desse porte afetariam simultaneamente regiões vizinhas e poderiam até comprometer usuários norte-americanos posicionados fora do território dos EUA. Na avaliação de Eduardo Tude, presidente da consultoria Teleco, o procedimento seria “praticamente inviável”, sobretudo em curto prazo.
Há, contudo, formas de interdição local. Dispositivos de interferência, conhecidos como jammers, emitem ondas de rádio na mesma frequência do GPS e anulam o sinal legítimo. Equipamentos de spoofing, por sua vez, simulam satélites falsos e induzem receptores a calcular posições incorretas. Ambos os métodos já foram observados em zonas de conflito, como na guerra entre Rússia e Ucrânia. Ainda que pontuais, tais ações podem prejudicar aviões, navios, veículos autônomos e serviços de emergência na área afetada. Tude ressalta que recorrer a jamming em território brasileiro configuraria sabotagem e teria consequências diplomáticas severas.
Impactos de uma eventual perda do GPS
Um corte total do sinal, seja por bloqueio remoto improvável ou por interferência localizada, atingiria setores estratégicos. Na aviação, os procedimentos de aproximação por satélite ficariam comprometidos; na navegação marítima, rotas em alto-mar dependeriam de métodos tradicionais ou de sistemas alternativos. Redes de telecomunicações utilizam o GPS para sincronização de torres celulares, enquanto o sistema financeiro recorre aos satélites para registrar transações com carimbo de tempo preciso. Logística, agricultura e monitoramento ambiental também sofreriam atrasos e perda de eficiência.
No entanto, a dependência exclusiva do GPS diminuiu nos últimos anos. A maior parte dos smartphones, receptores aeronáuticos e embarcações modernas é compatível com múltiplas constelações de navegação por satélite. O GLONASS, mantido pela Rússia; o Galileo, da União Europeia; o BeiDou, administrado pela China; o NavIC, da Índia; e o QZSS, operado pelo Japão, somam dezenas de satélites adicionais e ampliam a redundância global. A comunicadora científica Ana Apleiade destaca que a adoção desses sistemas já é ampla, reduzindo o impacto de uma eventual interrupção do sinal norte-americano.
Cenário provável
Embora exista, em teoria, a capacidade de limitar ou degradar o GPS, o custo técnico e político de um bloqueio dirigido exclusivamente ao Brasil tornaria a medida pouco prática. A alternativa de interferência localizada exigiria equipamento em solo ou em plataformas próximas ao território nacional, ação que poderia ser interpretada como hostil. Paralelamente, a disponibilidade de outras constelações de navegação garante alguma resiliência aos usuários brasileiros.
Assim, mesmo diante das discussões sobre possíveis sanções, analistas consideram remota a chance de o país ficar totalmente sem cobertura de posicionamento por satélite. Setores críticos seguem recomendando a utilização de receptores multissistema e a adoção de procedimentos de contingência, mas não há sinal concreto de que o GPS venha a ser formalmente desligado ou bloqueado no Brasil no horizonte imediato.