Mãe de Emicida, Dona Jacira morre aos 60 e deixa legado cravado no rap brasileiro

Entretenimento

Jacira Roque de Oliveira, conhecida como Dona Jacira, morreu na segunda-feira (28) em São Paulo, aos 60 anos. Figura central na trajetória de Leandro Roque de Oliveira, o rapper Emicida, a escritora foi decisiva para a narrativa de superação explorada nas letras do artista desde o primeiro trabalho, lançado em 2009. Mãe solo de quatro filhos, ela viveu na periferia paulistana e tornou-se referência de resistência, tema recorrente no repertório do músico.

Presença na discografia desde a primeira mixtape

A influência de Dona Jacira apareceu logo em “Pra Quem Já Mordeu um Cachorro por Comida, Até que Eu Cheguei Longe”, mixtape de estreia de Emicida, divulgada em 2009. A mãe é citada em faixas como “A Cada Vento” e “Triunfo”, nas quais o MC descreve as dificuldades na infância e reconhece o papel fundamental dela na formação da família.

O primeiro álbum oficial, “O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui” (2013), levou a participação direta da escritora. Ela integra os créditos de “Crisântemo”, canção que mescla samba e rap ao abordar a dor de jovens que cresceram órfãos nas periferias. A colaboração marcou a estreia de Dona Jacira como coautora na discografia do filho.

Faixa “Mãe” eterniza a história familiar

Dois anos depois, Emicida lançou “Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa” (2015). O disco abre com “Mãe”, composta por Jacira, Emicida, Renan Inquérito e DJ Duh. Além de assinar a letra, a homenageada faz uma intervenção no final da gravação. Na canção, o rapper relata episódios de humilhação, desemprego e violência enfrentados por ela, transformando a vivência familiar em crônica musical.

Em versos como “em tudo eu via a voz da minha mãe”, o artista reforça a presença constante da matriarca em sua percepção de mundo. A gravação consolidou a imagem de Dona Jacira como símbolo da força feminina nas periferias, extrapolando o universo musical e alcançando debates sociais sobre maternidade e desigualdade.

Escritora, referência cultural e inspiração além da música

Para além das colaborações com o filho, Jacira Roque de Oliveira desenvolvia carreira literária. Textos e poemas retratavam experiências de mulheres negras em contextos de vulnerabilidade, reforçando a preocupação dela com temas como racismo estrutural e acesso a direitos básicos. A produção escrita complementou a imagem de educadora informal que orientava crianças e jovens em projetos comunitários.

O irmão de Emicida, Evandro Fióti, empresário e cantor, também credita à mãe o incentivo inicial à música. Em entrevistas, ele costuma lembrar que Jacira ensinava os filhos a valorizar a educação e a arte como alternativas ao ciclo de pobreza. Esse posicionamento pautou a atuação dos dois irmãos no Laboratório Fantasma, selo criado pela família para profissionalizar artistas de favelas.

Falecimento e repercussão

A causa da morte não foi divulgada pela família. Nas redes sociais, Emicida publicou apenas a data de nascimento (25/12/1964) e a data de falecimento (28/07/2025), acompanhadas de um coração preto. A mensagem recebeu milhares de manifestações de carinho de fãs, músicos e personalidades, que destacaram a importância de Dona Jacira como símbolo de perseverança.

Entidades ligadas à cultura hip-hop anunciaram homenagens póstumas, incluindo saraus e rodas de conversa sobre o papel das mulheres negras na construção do rap nacional. Já a Laboratório Fantasma informou que manterá iniciativas sociais idealizadas por ela, entre elas oficinas de leitura para crianças de bairros periféricos na capital paulista.

Legado consolidado na cultura popular

Com a morte de Dona Jacira, a história de superação que permeia a obra de Emicida ganha novo significado. As letras que narram a luta da mãe contra a precariedade e o preconceito passam a funcionar como tributo permanente. Ao transformar a própria biografia em arte coletiva, ela contribuiu para ampliar a visibilidade de mulheres negras e periféricas na produção cultural brasileira.

O impacto de sua trajetória se estende além das canções, alcançando o campo educativo e social. Por meio de projetos comunitários e de sua participação ativa na criação do selo familiar, Dona Jacira ajudou a abrir caminhos para novos artistas e reforçou a importância da literatura e da música como instrumentos de transformação.

Aos 60 anos, Jacira Roque de Oliveira encerra uma trajetória de luta que permanece viva nas rimas do filho, nos livros que publicou e nas iniciativas que inspirou. O legado construído ao longo de seis décadas torna-se referência para gerações futuras, reafirmando o poder da arte como registro da experiência humana.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *