Algumas das camisetas vistas na primeira temporada de “Pablo e Luisão”, produção do Globoplay com segunda leva de episódios já confirmada, foram produzidas pelo grafiteiro Thiago de Souza Oliveira, 40 anos, conhecido na cena paulistana como Consp. Com 25 anos de atuação nos muros da capital, o artista foi convidado pelo setor de figurino da série para criar estampas que dialogassem com o tema de cada episódio protagonizado por Paulo Vieira.
O trabalho representa mais um passo na trajetória iniciada no bairro de Perus, zona noroeste de São Paulo. Morador da parte mais alta do morro — área apelidada pelos próprios moradores de “biquinho do mapa” — Consp teve contato com a cultura hip hop ainda na infância, quando a antena de sua casa conseguia sintonizar a MTV e exibir programas como o “YO! Raps”. Esse contato precoce com rap, break e grafite ajudou a moldar o interesse pelo desenho e pela arte urbana.
A influência musical se somou a outro ponto-chave: o local de trabalho do pai, no centro da cidade, vizinho à tradicional Galeria do Rock. Nas visitas ao prédio, o jovem artista circulava por lojas de discos, salões de cabelo afro e bancas de camisetas, ampliando o repertório estético que viria a marcar seus projetos futuros.
Da tinta de tecido ao spray
A relação com vestuário começou cedo. Aos 13 anos, antes mesmo de empunhar o spray, Consp utilizava as tintas de tecido que pertenciam à mãe — que pintava panos de prato — para customizar camisetas e tênis. Ele comprava peças simples no Brás por cerca de dois reais, aplicava desenhos inspirados em revistas estrangeiras de skate e revendia na própria vizinhança. O modelo de pequenas encomendas se manteve por anos, incluindo a produção de ecobags e peças para marcas de surf e skate.
Enquanto o negócio caseiro crescia, o grafite evoluía em paralelo. No ensino médio, cursado na Lapa, zona oeste, Consp passou a circular por novos bairros, entrou para coletivos que atuavam na Freguesia do Ó, no Butantã e no Jaçanã e, gradualmente, ganhou projeção. Um ponto de suporte importante foi a oficina gratuita conduzida pelo grafiteiro Bonga em Caieiras, município vizinho. No espaço, artistas locais trocavam informações, assistiam a vídeos e tinham acesso a livros importados, formando uma rede que fornecia referências num período anterior à internet popular.
Consolidação na arte urbana
Após concluir um curso técnico e a graduação, o artista montou estúdio próprio no centro de São Paulo, onde produz telas, ilustrações digitais e projetos comerciais. Entre as dificuldades recentes, relata o período crítico na pandemia, quando ficou um ano com a perna quebrada e precisou reorganizar a rotina para manter as contas em dia. A experiência levou à aproximação com a Aborda, assessoria especializada em profissionalização de artistas urbanos, responsável por apoiar a negociação de contratos e ampliar a presença do grafiteiro em frentes variadas.
No segmento audiovisual, Consp assinou pinturas para a barbearia da série “Sintonia” e para cenários de “Escola de Quebrada”. O convite para “Pablo e Luisão” surgiu a partir de um roteirista amigo, que indicou seu nome ao departamento de figurino. A produção enviou a sinopse dos episódios, e o artista criou composições específicas para cada um deles, sempre alinhadas à narrativa humorística que mescla fatos reais da vida de Luisão, pai de Paulo Vieira, e do amigo Pablo.
Referência para a periferia
O impacto de ver suas criações na tela, segundo o artista, ultrapassa a realização pessoal. Para os moradores de Perus e de outras periferias, a presença de um grafiteiro local em uma série de alcance nacional serve como exemplo de que é possível profissionalizar a arte e percorrer espaços antes restritos. Consp mantém ainda a prática de colorir muros na estação Perus da CPTM, mantendo vínculo constante com a região onde cresceu.
Com a confirmação da segunda temporada, novas estampas deverão acompanhar Paulo Vieira em cena, reforçando a ligação entre a cultura de rua e as produções de streaming. Enquanto isso, o grafiteiro desenvolve projetos em diferentes plataformas, equilibrando trabalhos comerciais, murais autorais e demandas do universo audiovisual. A rotina, diz ele, continua marcada pelo “corre diário” de quem divide o tempo entre a criação artística, a família e o sustento, sem abrir mão das origens que formaram seu olhar sobre a cidade.
Com 25 anos de grafite, um estúdio ativo no centro e a perspectiva de ampliar a atuação em séries e filmes, Consp ilustra o percurso de um artista que começou pintando camisetas na adolescência e hoje integra produções exibidas em todo o país. A iniciativa demonstra como a arte urbana, originada nas periferias, vem ocupando espaço no entretenimento mainstream e oferecendo novas possibilidades a criadores da cena paulistana.
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